sábado, 18 de dezembro de 2021

sol de inverno


"devolver a palavra ao povo"

(maiorias absolutas)


em teu nome se escudaram

comeram

beberam

empanturraram

em teu nome te prometeram

mentiram

falharam

enganaram

em teu nome se acharam

senhores do mundo

com poder absoluto

enriqueceram

roubaram

ocultaram

em teu nome se perdoaram

crimes

que a outros vitimaram

em teu nome te retiraram

a escolha

o caminho

a centelha

com que a vida te poderia prendar

em dignidade e bem-estar

em teu nome a palavra emudecida

até que dela precisem

para novamente te calarem.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Muros

Berlim não é daqui

Nem deste tempo, enfim.

Muro caído

E mil outros erguidos.

Para quê sonhar

Se o sonho morre a nadar

Ou a andar.

Só outra forma de olhar

Se espera

E desespera

Para o sonho se concretizar.


terça-feira, 30 de novembro de 2021

esperar...

vi-a ainda sem a ver ou, melhor, 
pressenti-a.

estava aconchegada por dentro da
casca fechada.

sem uma certeza de poder expandir a
sua tão debil pureza, esperava.

era tão dócil o seu tacto que toda a
aspereza inicial se desfazia.

filtrava nas mãos o desejo de ser 
germinada, possuída, desejada.

era uma simples semente caída da
palmeira sobre a relva do jardim.

domingo, 28 de novembro de 2021

maldade

por vezes os elefantes choram

choram em silêncio

para que da sua tristeza

os caminhos construídos

não sejam a sua procura

a sua morte prematura.


ensinam os filhos 

a afastarem-se

da maldade humana.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

de lábios cerrados

Não me peças palavras.

Todos os silêncios viajam mais longe

E se repetem em ecos de liberdade

Quando os dias são de incertezas

E os ventos perdem rumos de nós.


Deixa-me repousar por ti o meu olhar

E em tua pele descobrir a invisível certeza

Dum sol que nunca se deveria apagar

Esquecer a dor e aquecer esse nosso amor.


É no silêncio que mais oiço a tua voz

Dentro de mim

Como se fosses essa linguagem 

Que me habita

E traz a paz de quem necessita.



segunda-feira, 8 de novembro de 2021

a idade da árvore

Já não as mãos

da criança

com brinquedos de madeira.

Só mãos sulcadas de rugas

e veios

na aridez da terra.

sábado, 23 de outubro de 2021

Perder

Saber da tristeza

que há em ti

é mais que em mim

ver perto o fim


É muito mais

que dor rasgada

pela espada


Saber de ti

pelo vago olhar

é não te ver

não estares aqui

é te perder.

sábado, 4 de setembro de 2021

...

hoje tive um sonho
que não era meu

(talvez seja teu).

que queres que faça com ele?

talvez deixá-lo
pousado no travesseiro
a adornar-te o rosto
num beijo como o primeiro.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

afeganistão

foto: "the guardian"


quem vier sentar-se a esta mesa

um espelho de asas servirá de poiso.


negros pássaros 

famintos de migalhas 

nas imagens dum tempo escondido

voam

para dos seus actos se servirem de

penas caídas. 


atrás, um só sol 

a lembrar-lhes a oriental casa ferida.


.....


afeganistão_atentado


na minha dor

uma ferida sangrava

e a tarde, comigo findava

abraçada a um dia de terror.


....


há no meu olhar

aquele cansaço natural

gasto

da sede que os lábios gritam

como deserto

a marcar as rugas da minha pele.


marcas dum tempo

que a mim foi dado ser.

sábado, 29 de maio de 2021

sábado, 22 de maio de 2021

chamamento

empoleirado
no mais alto ramo
o pintassilgo canta
ora virado a um lado
ora a outro
encantado.

sei que é ele
pelo vibrar da cauda.

domingo, 16 de maio de 2021

sonhar...


foto do autor

tenho um disco voador

no tecto

que não voa por temor

parado

sem rodar 

à espera que possa embarcar.


quase lhe consigo chegar.


da cama 

vejo-o a querer descolar

mas não pode.

se conseguisse desprender-se

caía-me na cabeça

direitinho

até se (me) estilhaçar.


este disco voador

que não voa

faz-me sonhar

que um dia qualquer

entro nele

e lanço-me num outro lugar.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

livro

metade de mim e' passado
outra metade
cuidado
em te ter ao meu lado.

amanhã serei o livro
fechado
que terás por fim guardado.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

verdes são os campos...

é tudo verde:

verde a inocência
a verdade
a decência;

é verde a honra
a justiça
a transparência;

é verde o dinheiro
a corrupção
a fineza;

é verde a cor da certeza
o pensamento
o sentimento.

tudo é verde
e um cheiro de podridão
nasce 
das águas estagnadas da nação.

terça-feira, 30 de março de 2021

A Fonte


Antigamente
A água nascia
Debaixo da pedra
E ela corria
Pura, que se via
Na alma dela.

A fonte crescia
E mais tarde
Descia
Fresca
Aos lábios dela.

O rio esperava
Ainda sereno
Sem curvas
Sem medo
Colar sua boca
'A boca dela.

Assim namoraram
Assim se casaram.

Mas veio a chuva
Cheia de inveja
E do rio se riu
E da fonte, esqueceu.

E não satisfeita
Por pura maldade
Transbordou o rio
E a fonte morreu.

Morna

Dou o meu amor
A quem envolver
Esta dor
De gente
Esta trova
Dolente
Com guitarra
A tocar uma morna
Comovente.

Adornar o coração
Na emoção da canção.

Darei o que tenho
A quem vier ao que venho.

quinta-feira, 25 de março de 2021

a flor



Ao colher uma flor
do jardins por onde passo
comigo levo esse amor
no gesto simples que faço.

Mas ao captar tal beleza
efémera na minha mão
fica-me a firme certeza:
mais belas são onde estão.

quarta-feira, 17 de março de 2021

primavera

 

canta, cotovia  

a tua sinfonia

que o rio é lençol

de lodo no cais

entre canaviais

mas um quente sol.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

azul

deslizas pela janela
flor silvestre
em azul
que busca o rosto
do lado de dentro
pálido
no ar frio da manhã.

já os dedos se estendem
aos raios de sol
na carícia dum beijo
a beber cristalinas pérolas
desprendidas
lágrimas feridas
dos teus olhos a esmorecer.

escondo o branco lenço
refreado sentimento
dum adeus
que não quero teu
nem meu.