terça-feira, 29 de agosto de 2023

Palavras feridas

Tenho medo das palavras, aquelas 

que da alma se querem libertar,

como pássaros feridos e, doendo, 

mesmo assim ainda querem voar.


Tenho medo que elas cumpram o destino

e permaneçam vivas para me atormentar.

lá, longe

onde o sonho renascia

e logo

logo se escondia

tudo ficou gravado

nas asas negras 

da noite

nas águas misteriosas

do rio

estreitas margens

dos nossos pequenos dias.


e assim

no ar havia um nome

que de seu nome se esquecia

como sombra

dum destino que não conhecia.


lá, longe, até se fazer luz, qual

fénix da minha permanente nostalgia.

terça-feira, 13 de junho de 2023

nem toda a nudez é pecado

quando o dia se fez claro e

todos os sentidos 

eram riachos de

águas nascentes, 

nós, puros adolescentes,

não sabiamos de pecados

ou correntes, 

nos nossos valores vigentes.


*****

Não há desespero, não!


Extinguem-se as horas

Nos relógios mecânicos 

Enquanto a corda dura

E a vida corre

Louca

No movimento curvilíneo

De segundos.


Ponteiros 

Por dedetrás dessa vida

Apontados ao momento 

Sem pararem 

Mas aprisionando o pensamento.


****


Tão perto e tão longe

Intocável

O imaginável da infância

Desfocavel

Como se outra vida

Habitasse 

Um corpo que mente

À gente

E uma mente por vezes ausente

Que teima

Em construir castelos de areia 

Com a raíz do pensamento

escondida em cada teia.


31.mai.2023


*****

Pequeno rio


Era uma mera lembrança

Tempos dum rio de criança

Que naquelas águas corria.


As palavras escritas de mel

Derretidas em barco de papel

Mataram a sede que os unia.


.....


domingo, 7 de agosto de 2022

...

anoitece-me 

o poema

na rosa vermelha 

de sangue.

já não voa, 

já não sonha:

tem o ar 

preso na asa.

que hei-de fazer 

agora,

com esta flor 

esquecida?

guardá-la em livro 

não lido

seria

poema branco 

perdido.

já sei: vou pingá-lo

pouco a pouco

no caminho que terei.

quinta-feira, 28 de abril de 2022

o futuro, agora

não esperes por mim

disseste-me

ainda com sombra nos olhos

e montanhas de chuva

a cobrirem manhãs cinzentas.


não esperes por mim

também

disse-te

que hoje não há nada

que nos faça bem

a não ser esta ilusão

de que o tempo de espera

é um futuro a voar da mão.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

soltas



" - desculpe estar de costas."

- não faz mal. os anjos não têm costas.

"- quando atrás está um anjo."

- pois...vejo que sou um pecador.

....

" as meninas bem comportadas
estão no céu"

- por aí andam as outras!

....


da lágrima à nuvem

minhas mãos húmidas

de ternura.


.....


deixou de haver luar

acendi uma fogueira

só para te poder olhar.

poema adormecido

1.

do invisível pensamento
mais veloz do que o vento
ao rabisco do punho lento
pálido poema do momento.

folha branca assim ficou
e o poema adormeceu
só uma sombra ali poisou
e em surdina o declamou.

quem o conseguir compreender
ouvir
ou então, ler
bem o pode acordar
que é a ele que se quer dar.

2.

duas sombras do mesmo ser:
uma externa a compreender
e outra interior a sofrer.

seguiam-no
uma, enquanto havia luz
outra, a cada momento.

enraizadas no pensamento
pensou criar um sol
que varresse tal tormento.

trocou as sombras
uma, a da noite, ia com o dia
e, a do dia, com ele dormia.

















quando as aves partiram

ele ficou

quando o sol aqueceu

ele sombreou

quando o dia foi noite

ele arrefeceu

quando o pó prevaleceu

ele foi matéria.

sábado, 18 de dezembro de 2021

sol de inverno


"devolver a palavra ao povo"

(maiorias absolutas)


em teu nome se escudaram

comeram

beberam

empanturraram

em teu nome te prometeram

mentiram

falharam

enganaram

em teu nome se acharam

senhores do mundo

com poder absoluto

enriqueceram

roubaram

ocultaram

em teu nome se perdoaram

crimes

que a outros vitimaram

em teu nome te retiraram

a escolha

o caminho

a centelha

com que a vida te poderia prendar

em dignidade e bem-estar

em teu nome a palavra emudecida

até que dela precisem

para novamente te calarem.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Muros

Berlim não é daqui

Nem deste tempo, enfim.

Muro caído

E mil outros erguidos.

Para quê sonhar

Se o sonho morre a nadar

Ou a andar.

Só outra forma de olhar

Se espera

E desespera

Para o sonho se concretizar.


terça-feira, 30 de novembro de 2021

esperar...

vi-a ainda sem a ver ou, melhor, 
pressenti-a.

estava aconchegada por dentro da
casca fechada.

sem uma certeza de poder expandir a
sua tão debil pureza, esperava.

era tão dócil o seu tacto que toda a
aspereza inicial se desfazia.

filtrava nas mãos o desejo de ser 
germinada, possuída, desejada.

era uma simples semente caída da
palmeira sobre a relva do jardim.